O abandono precoce do desporto pelos jovens e a motivação subjacente para continuar

06-06-2010 21:58

     O desporto valoriza socialmente o homem, proporciona uma melhoria do seu auto-conceito, e a aprendizagem de uma modalidade desportiva constitui uma das mais significantes experiências que o ser humano pode viver com o seu próprio corpo. O desporto pode ser algo de muito benéfico na vida de qualquer ser humano, ajudando-o na sua educação e na sua formação pessoal. Numa sociedade cada vez mais exigente em que tudo também parece fácil de obter, os intervenientes do contexto desportivo têm de tomar consciência e preocupar-se com a falta de actividade física e desportiva dos nossos jovens no seu dia-a-dia, como também do seu abandono precoce.

    O abandono precoce surge porquê? pela desilusão da modalidade e do desporto? Pela pressão exterior dos pais e dos técnicos? Do trabalho árduo? Por uma especialização demasiada precoce? Por outros desafios ou outros interesses que surgem na vida dos jovens?

    Num estudo sobre o Abandono e as suas motivações realizado por Oliveira et al (2007) verificou-se que 42% dos individuos abandonavam a natação nos escalões mais jovens (juvenis), em junior 33% e somente 8% em seniores, perfazendo uma média de 16 anos de idade para o abandono da modalidade. As motivações para esse abandono seriam os resultados negativos, a falta de apoio, as lesões, a falta de conciliação dos estudos com o desporto, a rotina dos treinos e a falta de integração social. A consecussão dos resultados desportivos sendo um dos factores de maior influência para o abandono precoce, verifica-se que grande parte dos melhores desempenhos desportivos foram atingidos enquanto nadadores infantis.

    Num estudo realizado com jovens em França verificou-se que as causas de abandono prematuro da prática da Natação Desportiva (Boulgakova, 1990) seriam principalmente a estagnação de resultados, o aparecimento de outros interesses, a dificuldade de conciliar o desporto e o estudo, os problemas ou a mudança de treinador, a influência dos pares, o excesso e a monotonia dos treinos. No mesmo estudo mas com atletas de alto nível os factores de abandono seriam a estagnação, a dificuldade de conciliar o desporto e o estudo, os problemas ou a mudança de treinador, os maus resultados, o excesso e a monotonia dos treinos.

    Num estudo realizado em Portugal sobre as causas das decisões do abandono da Prática Desportiva (Vasconcelos, 2003) nos atletas de elite seriam o cansaço do calendário desportivo, o estilo de vida, a falta de meios para ir mais longe, a consecussão da obtenção dos seus objectivos pessoais, a dificuldade de conciliar o desporto e o estudo, os maus resultados.

    Concluimos pelos estudos que os possíveis factores de abandono precoce desportivo serão os treinos monótonos, os treinos demasiados agressivos, a estagnação e os maus resultados, a dificuldade de conciliar os estudos e o desporto, a envolvência de pares e familiares, finalmente a saturação do ritmo desportivo e competitivo.

 

    O estudo da motivação tem um papel determinante no conhecimento da formação e da educação dos jovens para a prática desportiva. Pois serão factores que conduzem a determinados comportamentos para atingir certos objectivos. Samulski (2002) refere a motivação como a totalidade dos factores que determinam a actualização de formas de comportamento dirigido a um determinado objectivo. São os factores pessoais e sociais que favorecem a persistência ou o abandono de um comportamento. É uma dimensão intensiva em que os indivíduos se dedicam a realizar uma determinada tarefa (Roberts, 1992; Escarti e Cervello, 1994; Escarti e Brustad, 2002). Fernandes (2004) afirma que para melhor compreender o comportamento desportivo dos indivíduos e para mais correctamente e eficazmente intervir, é necessário conhecer as razões pelas quais seleccionam determinadas actividades e nelas persistem. O organismo pode estar preparado ou não, a motivação é um aspecto da selecção do processo, é um aspecto de antecipação ao serviço dessa própria selecção. Sabendo que a motivação são os factores que respeitam a dinâmica comportamental, fomentando a sua participação e persistência na modalidade.

    Santos (2008) realizou um estudo sobre os factores motivacionais que mantinham os indivíduos na prática competitiva e se essas motivações se alteravam com os anos de prática. Verificou-se que os indivíduos que estavam na competição privilegiavam o desenvolvimento de competência/habilidades (as motivações de melhorar as habilidades; aprender novas habilidades) e que quanto mais tempo estavam na competição, a esses factores se somavam os factores da Forma Física ( as motivações de querer ficar em forma, gostar de fazer exercícios, querer estar fisicamente apto) e da Afiliação geral (as motivações de gostar do trabalho de equipa, gostar do espírito de equipa ou de pertencer a uma equipa).

    Um dos factores que evoluiu com o tempo foi o factor da Emoção (gostar de estímulo, gostar de acção, gostar de desafios, querer extravasar tensão e querer ganhar energia).

 

    Um constructo de grande importância para o ser humano é o da autoconfiança, pois revela a forma como estamos consciente e preparados para realizar algo. Um contexto orientado para a motivação da tarefa é positivo para a Autoconfiança. Cruz e Viana (1996) afirmam que os jogadores mais bem sucedidos ou que competem a um nível mais elevado apresentam valores de confiança mais altos nas suas capacidades e ainda aumentam a sua autoconfiança quando atingem os seus objectivos. Existe uma correlação directa entre a autoconfiança e o sucesso na competição (Williams, 1993). Quanto mais baixa a autoconfiança do atleta mais importante se torna o sucesso e maior é a importância de se determinar metas alcançáveis.

    Num estudo sobre a evolução da Autoconfiança num contexto de treino com um clima motivacional para a mestria em jovens nadadores (Santos, 2007) verifou-se que existia um acréscimo da autoconfiança nos indivíduos presentes. E que esses valores de autoconfiança aumentavam tanto em jovens do sexo masculino como feminino.

    A autoconfiança por si só não irá transformar o indivíduo no melhor atleta do mundo mas ajuda-lo-á a melhorar, pois a autoconfiança emerge como uma característica essencial dos atletas para se proteger de disfunções de pensamentos e de sentimentos negativos. A boa forma física e a técnica dos jovens reflecte-se nos bons níveis de autoconfiança que se adquirem com o empenho nas tarefas e nas actividades. Num desempenho com sucesso numa tarefa orientada para a mestria espera-se um aumento da autoconfiança porque os indivíduos vão percebendo que as suas habilidades se vão reforçando e melhorando.

    Os atletas que têm uma alta percepção da sua habilidade adoptam um objectivo para a tarefa e perseguem um clima de mestria com uma motivação intrínseca acentuada. Weis e Ferrer-Caja (2002) referem que uma informação vinda de uma fonte exterior num ambiente de aprendizagem é uma influência potencial para a motivação intrínseca dos indivíduos.

    A prática orientada leva ao aumento das representações, passando o atleta a ter um conhecimento mais profundo do que faz. A prática para surtir os efeitos pretendidos não se pode ficar pela quantidade mas principalmente pela qualidade (Alves, 2004). A necessidade de entender o nadador como um indivíduo com um complexo sistema de transformação, disponibilização e utilização de energia (Villas-Boas, 2000). O empenho nas actividades desportivas durante um período tão longo como a modalidade da natação, apenas será possível se tiver um significado e um empenho pessoal por parte do atleta (Serpa, 2002).

 

    No contexto do treino o treinador não se limita ao seu papel de ensino, tem sido um poderoso agente social (Brito, 2001). Ele não só estrutura a prática ou as aprendizagens afectando os jovens nas suas percepções de competência, nas suas motivações, nos reforços que comprometem a informação ou a avaliação correspondendo ao desempenho específíco realizado como a realizar a posteriori. O treinador é um elemento que maximiza de forma deliberada a prática, as aprendizagens e as habilidades dos seus atletas de forma a ser o melhor predictor do sucesso dos seus jovens facultando as ferramentas e as fontes necessárias (Salmela, 1996). Cabe-lhe a ele preparar o contexto para potênciar o desempenho desportivo. Ele tem de compreender o modo de intervir e de ter a capacidade de transformar os seus conhecimentos num processo que culmina no produto final.

    O Treinador tem o papel de ser um “facilitador” de aprendizagens, tem de ser um “proporcionador” de ambiente para as aprendizagens, um “estruturador” das tarefas mais adequadas para a aquisição de conhecimentos, de ser um “formador” de atletas e de cidadãos.

 

“Cada homem deve inventar o seu caminho”

Jean Paul Sartre

    Neste contexto desportivo tão delicado como o desporto para jovens e crianças será de total importância os intervenientes desportivos estarem conscientes de toda uma complexidade de processos para manter os nadadores na actividade desportiva. Que a formação dos intervenientes desportivos não se fica pelo senso comum, mas sim para uma formação estrutural de forma a estarem sensibilizados às constantes mudanças comportamentais dos jovens. A importância da compreensão dos factores individuais, tal como a melhoria e a formação dos jovens como cidadãos e atletas. E que é possível aumentar a persistência dos indivíduos na modalidade, possibilitando a satisfação das suas necessidades.

    As sugestões seguintes são pressupostos subjacentes para a melhoria e o combate ao abandono precoce das crianças e dos jovens desportistas:

  • Proporcionar uma actividade física saudável;

  • Privilegiar as aprendizagens das técnicas;

  • Exercícios multifacetados;

  • Prática divertida e estimulante;

  • Orientar para uma motivação intrínseca;

  • Auto-estima estimulada;

  • Maior importância ao processo do que ao produto;

  • As atitudes devem ser valorizadas e constantes (ensino);

  • Valores associados à prática desportiva para uma continuidade a longo prazo.

  • Diversificar o treino;

  • Definir os objectivos da prova e do treino;

  • Fornecer imediatamente o FB da prova e dos treinos;

  • Criar um clima de confiança inter e intra equipa;

  • Melhorar as “etiquetas” que facultamos aos nadadores;

  • Elaborar actividades paralelas e extra-desportivas ao calendário competitivo.

     

     

    Autor: Sebastião Santos, Doutorando em Ciências do Desporto (UTAD), Mestre em Psicologia do Desporto e do Exercício, Professor do Ensino Básico e treinador de natação

 

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Referências bibliográficas

Conclusões

Treinador

Autoconfiança

 

Motivação

Contatos

Gonçalo Ferreira / João Pereira

Porto, Portugal

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